Proibição de cães em casas arrendadas

Correm pela internet várias notícias afirmando que os “senhorios não podem proibir cães em casas arrendadas”. No entanto, será que isto é realmente assim?
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Nas últimas semanas, temos visto várias notícias afirmando que os “senhorios não podem proibir cães em casas arrendadas”. No entanto, será que isto é realmente assim? Ao lermos vários comentários a estas notícias nas redes sociais, ficamos com a ideia de que se poderá ter gerado alguma confusão…

Ao contrário do que muitos possam pensar, não houve qualquer alteração legislativa a este nível nem existe propriamente uma lei segundo a qual os senhorios não possam proibir os seus inquilinos de terem animais domésticos.

O que veio despoletar estas notícias foi uma decisão do Tribunal da Relação do Porto, proferida no passado mês de Novembro.

Neste caso, o que estava em discussão era um contrato de arrendamento no qual se incluía uma cláusula que determinava que a inquilina ficava impedida de possuir um cão como animal doméstico.

Tendo tido conhecimento de que a inquilina havia violado esta cláusula, pois detinha um cão no imóvel, a senhoria recorreu aos tribunais, pedindo que o contrato fosse terminado e a inquilina despejada, ou então que se ordenasse a retirada do cão daquele imóvel.

No Tribunal de primeira instância, a senhoria conseguiu que a inquilina fosse condenada a retirar o cão do imóvel. No entanto, a inquilina não se conformou e interpôs um recurso desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto.

Embora tivessem reconhecido que era evidente que a intenção da senhoria era a de não permitir a existência de animais domésticos no imóvel, proibição que foi aceite pela inquilina, e que isto, à partida, seria aceitável segundo a lei civil, os juízes do Tribunal da Relação do Porto consideraram que, neste caso, estavam em causa direitos fundamentais resultantes da nossa Constituição, de valor superior às regras gerais de Direito Civil sobre os contratos.

Neste acórdão, podemos ler que “a proibição genérica de deter animais não deve ser interpretada à letra”, devendo-se ter em consideração as circunstâncias de cada caso. Devemos considerar, para este efeito, por um lado, os distúrbios que a detenção de um animal doméstico possa provocar ao senhorio e respectivos vizinhos, do ponto de vista da perturbação do sossego e higiene e, por outro lado, o valor específico que um animal de companhia tem para o seu dono.

Veja-se o exemplo – dado pelo próprio Tribunal da Relação do Porto – de um condomínio no qual se proíbem animais domésticos nas fracções autónomas e de um futuro morador com um filho autista, para quem é essencial a companhia de um cão, ou de um invisual que necessita de ter um cão-guia. Nestes casos, a proibição do condomínio seria inaplicável, consideraram os juízes.

Face a tudo isto, nesta decisão concluiu-se que, naquele caso em concreto, porque o cão da inquilina não era fonte de qualquer prejuízo para o sossego, saúde ou segurança dos restantes moradores do prédio e pelo valor que tinha para a inquilina e o seu filho, com perturbações de ansiedade, deveria prevalecer o valor que o cão tinha para os seus donos por oposição ao direito de propriedade da senhoria sobre aquele imóvel e à sua vontade de que no mesmo não existissem cães.

Qual o impacto desta decisão? Ela significa que, a partir de agora, nenhum senhorio pode proibir o seu inquilino de ter cães? Não, não significa isto.

Embora abrindo um precedente importante ao reconhecer o papel essencial de um cão no seio da família, esta decisão salvaguarda sempre as circunstâncias do caso concreto e, em particular, a ponderação que se deve efectuar entre os distúrbios que um animal doméstico possa provocar e o valor que tem para o seu dono. Ou seja, de acordo com esta decisão, não se exclui a possibilidade de um senhorio proibir cães no imóvel arrendado.

Por outro lado, em Portugal, o facto de um tribunal tomar uma determinada decisão não quer dizer que outro não possa vir a decidir de forma diferente. Ou seja, esta decisão não equivale a uma lei e nada invalida que, no futuro,outro tribunal (ou até o mesmo) venha tomar uma decisão em sentido contrário a esta.

Assim, e embora concordemos em absoluto com esta decisão, aconselhamos todos aqueles que estão à procura de uma casa arrendada a lerem atentamente os contratos que são propostos e a não confiarem em absoluto nos títulos destas notícias, pensando que, mesmo tendo uma cláusula proibindo a detenção de cães, esta não será aplicável.

É certo que esta decisão do Tribunal da Relação do Porto é uma conquista mas, até que se legisle sobre esta matéria (tal como já foi proposto pelo PAN), há ainda muito caminho por percorrer…