O novo estatuto jurídico dos animais

Entrou hoje em vigor o novo estatuto jurídico dos animais, deixando os animais de, aos “olhos da lei”, se considerarem “coisas”. Mas em que é que se traduz este novo estatuto?
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Entrou hoje em vigor a Lei n.º 8/2017, de 3 de Março, que prevê o novo estatuto jurídico dos animais.

A partir de agora, os animais deixam de, aos “olhos da lei”, se considerarem “coisas”, ganhando assim um estatuto próprio que assenta no reconhecimento da sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade.

Esta alteração legislativa, que representa um marco histórico, resultou do consenso cada vez mais alargado na nossa sociedade da necessidade de reconhecer as diferenças e a natureza dos animais, quer face aos humanos, quer face às coisas inanimadas.

Na verdade, a preocupação com o bem-estar dos animais não se sente apenas no nosso país, sendo antes um valor estruturante das sociedades modernas. São, aliás, vários os países que dispõem de instrumentos legais para protecção dos animais – veja-se, a este nível o exemplo de França e do Reino Unido, bem como o da Alemanha, Áustria e Suíça, que contemplam inclusivamente os direitos dos animais na sua Constituição.

Mesmo entre nós, é já reconhecido que os animais merecem a protecção por parte da lei – exemplo disso mesmo é a recente criminalização dos maus-tratos contra animais de companhia, operada através da Lei n.º 69/2014, de 29 de Agosto.

Assim, e por motivos da própria coerência do nosso sistema legal, era urgente que se alterasse o estatuto jurídico civil dos animais, diferenciando-os das “coisas” e reconhecendo a sua natureza sensível.

Em termos gerais, é precisamente isto que esta lei vem fazer, prevendo um estatuto jurídico autónomo para os animais, reconhecidos agora como um “terceiro género”, diferente das “coisas” mas também, naturalmente, dos seres humanos, e alterando o nosso Código Civil em conformidade com este novo estatuto.

Agrupamos aqui em três pontos as principais alterações a este nível:

1. Dever de assegurar o bem-estar do animal

Um dos pontos fundamentais deste novo estatuto relaciona-se com o dever que agora a lei prevê de os proprietários dos animais assegurarem o seu bem-estar, o que inclui o acesso, por um lado, a água e alimentação e, por outro, a cuidados médico-veterinários sempre que tal se justifique.

Na prática, isto significa que quem não alimente o seu animal de acordo com as suas necessidades específicas ou não lhe garanta os cuidados de saúde de que este necessita, entre os quais se inclui a administração de vacinas, por exemplo, poderá ser responsabilizado.

Por outro lado, a lei clarifica agora que “o direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte”.

2. O animal no âmbito da relação conjugal

Outra das principais alterações introduzidas por esta lei respeita às relações patrimoniais de um casal.

A este nível, prevê-se, por um lado, que os animais de companhia que cada um dos cônjuges tiver antes do casamento não entram na comunhão geral, o que significa que continuam a pertencer-lhe após o casamento, e, por outro, que em caso de divórcio, deverá haver acordo quanto ao destino dos animais de companhia, considerando os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal, bem como o bem-estar do animal.

3. Indemnização em caso de lesão ou morte de animal

Prevê-se agora que o responsável pela lesão ou morte de um animal deverá indemnizar o proprietário deste, ou quem o tenha socorrido, pelas despesas em que tenha incorrido com o seu tratamento.

Tratando-se de um animal de companhia, o proprietário poderá ter direito a uma indemnização pelo desgosto ou sofrimento moral, caso se trate de uma lesão grave ou da morte do animal.

Embora entendamos que a lei poderia ter ido um pouco mais além, parece-nos também que é excessivo considerar que estas alterações são apenas simbólicas. O seu peso poderia ser maior, é certo, mas não deixam de representar um avanço da nossa sociedade face ao reconhecimento dos direitos dos animais.

Dizia já Victor Hugo que “primeiro foi necessário civilizar o homem em relação ao próprio homem”, e que “agora é necessário civilizar o homem em relação à natureza e aos animais”. O novo estatuto jurídico dos animais não vai tão longe, mas é, sem dúvida, mais um passo nesse sentido.

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