É errado castigar o cão? Reforço positivo, punição, castigos aversivos

Castigar o cão é uma dúvida comum. Perceber se é errado e que tipos de castigos existem foi o tema de conversa com Jean Donaldson.
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Jean Donaldson trabalha há mais de 30 anos na área do treino e comportamento dos cães. Depois de uma formação em Psicologia Comparativa e Biologia Evolutiva, Donaldson deu continuidade a um percurso académico de relevo, sendo oradora e autora aclamada com várias obras publicadas. Entre elas “The Culture Clash”, que é considerado pela Association of Pet Dog Trainers como o melhor livro de treino canino alguma vez escrito. 

Neste excerto da entrevista, falamos sobre o papel dos castigos no treino do cão, e sobre a importância do reforço positivo. 

Podem ver os restantes excertos desta grande entrevista aqui:

  1. Comportamento canino:  a inteligência, a dominância e a imitação;
  2. Ansiedade de separação no cão;
  3. O treino deixa o cão demasiado excitado?
  4. A esterilização e a eutanásia;
  5. Conselhos de Jean Donaldson para treinadores.

Quais são os enquadramentos fundamentais do treino canino?

  • Reforço positivo – Reforçar um comportamento, acrescentando algo.
  • Reforço negativo – Reforçar um comportamento, retirando algo.
  • Castigo positivo – Reduzir um comportamento, acrescentando algo.
  • Castigo negativo – Reduzir um comportamento, reduzindo algo.
  • Castigo aversivo – Que causa stress, medo ou dor. 

O treino é uma das melhores formas de garantir que os castigos serão cada vez menos necessários na educação do cão. Perceber se o próprio treino pode ser um fator de excitação foi parte da conversa que tivemos com Jean Donaldson, aqui

É errado castigar o cão? Reforço positivo, punição, castigos aversivos - Assista à entrevista completa.

Graças a pessoas como a Jean, os métodos de treino de reforço positivo têm vindo a impor-se no panorama global do treino canino. Considera que os castigos, mesmo os leves, nunca devem ser usados, independentemente da situação?

Óptima pergunta! Bem, há dois tipos de castigos. Há o tipo de castigo em que é aplicada dor e em que se causa medo no cão, como estrangular, dar choques, bater ou gritar. E, depois, há punições, como, por exemplo, se um cão estiver a saltar, nós viramos as costas, ou, por exemplo, o cão dá uma mordidela e o dono sai da sala temporariamente durante 2 minutos. Estes últimos tipos de castigo são completamente apropriados e normais. 

Aquilo a que chamamos castigo negativo para o cão, certo?

Certo! Tem havido uma reacção negativa no que toca aos castigos, outra tendência que para mim é alarmante. As pessoas pensam que se fizerem isto o cão vai ficar frustrado, o que equivale a stress e, por isso, “vamos todos morrer”. Eu não concordo com isto. Não acho que seja uma ideia útil, nem necessária. Acho que é excessivo.

Os cães frustram-se no seu dia a dia. Se um cão vai ao quintal para correr e encontra um esquilo, ou outro animal, que foge e trepa para cima da vedação, o cão vai ficar frustrado durante uns instantes. E ninguém diz “oh Meu Deus, isto é terrível, o cão ficou temporariamente frustrado e stressado, de futuro temos que evitar que isto aconteça novamente”.

Contudo, se o mesmo cão for à rua e alguém lhe bater com um pau, nós diríamos que isso é inaceitável e que precisamos de fazer algo em relação a isso.

Portanto, há uma enorme diferença entre bater no cão com um pau e o cão não ter conseguido apanhar o esquilo e ter ficado frustrado com isso. Estes dois tipos de punições não são iguais, não são equivalentes.

Algumas metodologias de treino põem estes dois tipos de castigo juntos. Acho que isso não é correcto, uma vez que são muito diferentes, por isso não considero que os castigos negativos sejam todos maus. 

Nem todos os castigos negativos são maus. Mas os castigos aversivos podemos dizer que sim?

Acho que os castigos aversivos que causam dor, medo, sobressalto, intimidação, como os que usam coleiras de choques, não são necessários e têm efeitos secundários que nós não queremos.

Uma pessoa pode estar a usar um tipo de castigo para se ver livre de um comportamento irritante, como o de o cão não vir quando é chamado, ou como o de saltar ou de fazer alguma coisa que nós não queremos, e pode dizer que o castigo aversivo resultou. Só que agora há repercussões, o cão está com medo ou ficou ansioso. Portanto, esta pessoa trocou um problema menor por um que é extremamente difícil de resolver.

A ansiedade e o medo, como a ansiedade de separação (da qual falamos aqui- link tema 1), são problemas difíceis de serem resolvidos. 

Sendo assim, qualquer coisa que envolva medo e ansiedade é difícil de ser resolvida, e, algumas vezes, não pode ser resolvida em absoluto. Comportamentos “incomodativos” são fáceis. Portanto, qualquer treinador que troque um comportamento “incomodativo” por ansiedade, na minha opinião é negligência. Provavelmente, deveriam ser processados por um advogado ou não poderem continuar a ser treinadores. Os seus métodos representam uma cura que é muito pior do que a doença.

Se estivermos apenas a falar sobre castigos positivos, na sua aplicação mais leve, como usar a voz com um “NÃO” bem firme, acha que este tipo de castigo, só com a voz, é mau?

Eu não acho que seja mau. Claramente não está no mesmo patamar de um choque eléctrico ou uma coleira estranguladora, mas depende do cão. Ou seja, há alguns cães que são muito “soft”, onde uma voz mais firme funciona. Mas, para estes cães, este castigo positivo acabou por ser bastante forte, apesar de podermos pensar que é só uma voz.

A questão é que se funcionou para um determinado cão, significa que foi claramente aversivo e, por isso, deve-se ter cuidado. E para um cão que não é “soft”, que seja mais duro, se utilizarmos uma voz firme pode não funcionar. E depois? Justifica podermos estrangulá-lo? Portanto, se usarmos o argumento de que não há problema em usarmos o castigo positivo, garantindo que esse castigo seja leve (na nossa definição), as questões que se colocam são: como é que esse castigo é interpretado pelo cão? E se não funcionar, vamos recorrer a um castigo maior?

Portanto, é uma pergunta difícil… é uma questão filosófica, não tenho a certeza de ter a resposta perfeita. Temos de pensar bem sobre os castigos, antes de os usar.

Certo. Sabe, sinto que em Portugal, mas acredito que no resto do mundo também, quando se fala nestes tópicos, os treinadores não trocam ideias educadamente…

Não, não, nunca! (risos)

Cada um tem o seu ego… tornam-se, até, bastante agressivos. O que é curioso é que quando falo com treinadores, alguns meus amigos, que dizem que treinam 100% com reforço positivo, nunca usando nenhum tipo de castigo, rapidamente tornam-se eles próprios agressivos, ou rudes, quando falam com outras pessoas que têm uma opinião diferente.Percebe o que quero dizer?  

Sim, perfeitamente! Deparo-me com isso muitas vezes… e é uma coisa engraçada, na comunidade do reforço positivo há muitas diferenças pequeninas, como: é correcto dizer não? É correcto usar um castigo negativo? É correcto dar um time out? Nós abafamo-nos uns aos outros sabe… estamos ocupados com a guerra uns com os outros e, entretanto, num outro plano, há pessoas a darem choques aos seus cães. 

Preocupo-me com isto. Temos uma expressão que se designa por “teste de pureza”. Quem é que pode ser o mais puro? O mais positivo? Infelizmente, não sou a mais positiva, porque concordo com os castigos negativos, acho que são uma óptima técnica. E acho que são práticos. Não acho que os cães morrem de frustração, acho é que os cães morrem da frustração dos donos. Portanto, se o treinador não resolver o problema, se disser ao dono que nunca se deve frustrar com o cão, que nunca deve submetê-lo a stress, que não deve fazer isto ou aquilo, os donos vão dizer “isto é ridículo!”, encaminhando-se de seguida para um treinador que irá resolver os seus problemas com técnicas duras e negativas.

Temos de comunicar melhor...

Sim. Como o Pedro disse, a maneira como os treinadores tentam modificar os comportamentos uns dos outros, enfim…. em 2022, a informação está em todo o lado, já não há o caso em que as pessoas dizem que não sabiam que existiam outras maneiras de treinar o seu cão.

Toda a gente sabe que estas técnicas diferentes existem, as pessoas estão a seleccionar que técnica querem usar. Portanto, quer estejam a usar castigos positivos, reforços negativos, ou o que quer que estejam a usar, estão a fazê-lo porque sentem que esse estilo de treino é o melhor e é aquilo que querem fazer. É muito pouco provável que digamos a estas pessoas que são más por recorrerem a estas técnicas e que, simplesmente por nos ouvirem dizer isso, mudem de abordagem.

Eu costumava tentar mudar a ideia de que certas pessoas tinham sobre como educar os seus cães e não conseguia. Não funcionava há 20 anos atrás e continua sem funcionar. Portanto, tem de se educar o público e, neste contexto, o meu objectivo, actualmente, é fazer com que haja muitos treinadores competentes e eficazes no mercado, que não estejam a maltratar os seus cães, para que, eventualmente, o negócio do treino resolva esta problemática e as pessoas parem de seleccionar o tipo de treino negativo. Acredito mais nesta via do que na tentativa de mudar a forma como certos treinadores e donos pensam.

Saiba mais sobre a forma mais indicada de corrigir o comportamento canino.

Para todos os que desejam trabalhar na área do treino e comportamento canino fica a sugestão para acompanharem toda a conversa que tivemos com Jean Donaldson, incluindo os seus conselhos de carreira.

Se tem um cão e precisa de ajuda profissional a corrigir o seu comportamento, sem trocar um problema simples por ansiedade, nem recorrer a castigos sem sentido nem resultados fale connosco. O nosso serviço de Cãosultoria permite realizar uma consulta online, exclusiva para a sua família e para o seu cão, e pode fazer a marcação, aqui.